Ainda me lembro de entrar num videoclube, ao fim-de-semana, com o meu pai, escolher um ou dois DVD´s para assistir em casa. Se entrei num no tempo do VHS, não me recordo.
Mas gostava de ir, eram estabelecimentos cheios de cor graças às milhentas capas de filmes que os decoravam. Para uma criança era excelente.
Depois alguém aprendeu a "sacar os filmes" pela internet, lá em casa, e a visita ao videoclube acabou. A pirataria acabou por matar os videoclubes e, muito provavelmente, hoje em dia já ninguém compra um DVD, blu-ray ou VHS a não ser por revivalismo.
Durante muitos anos convivi e usufrui desse modus operandi ilegal: a pirataria. Só mais tarde me vim a inteirar dos problemas em grande escala que isso representava para cinematografia. Eram bastante lógicos mas acho que a maioria das pessoas não pensa duas vezes quando lhe dão a oportunidade de usufruir de alguma coisa sem pagar.
Surgiram então campanhas de sensibilização contra a pirataria, através da explicação dos seus efeitos mas também das consequências penais que podiam gerar para quem fosse cúmplice e não apenas para quem disponibilizava os filmes.
Passaram-se alguns anos e chegou a Portugal a pirataria de filmes 2.0: sem recurso a dvd´s virgens ou pendrives USB. A pirataria em Streaming!
Quem não se recorda do Wareztuga? Do Popcorn, TugaFlix e Mr.Piracy?
Julgo que o primeiro a que acedi e do qual usufrui durante muito tempo foi o Wareztuga. Aspeto profissional, com milhares de filmes disponibilizados e prontos a ver na hora, legendados e a partir de vários servidores para o caso de algum não funcionar adequadamente.
Tornámo-nos exigentes com a diversidade e penso que não é incorreto falar no plural se disser que no ato da escolha do filme a ver, começámos a pular de plataforma pirata em plataforma pirata à procura dos filmes mais recentes ou mais raros.
Como seria de esperar, quem geria estes sites começou a querer mais do que a apenas disponibilizar cultura gratuitamente. Passou a ser necessário fazer um registo nos sites para se poder aceder aos filmes. Daí, saltamos para os anúncios e terminamos numa diabetes de anúncios interminável que nos fazia fechar 20 janelas de publicidade até conseguirmos finalmente carregar no "play" e disfrutar do filme eleito para o serão.
Algumas das plataformas foram mais longe e começaram a pedir um pagamento anual ou mensal, à semelhança do que acontece hoje com uma Netflix, só quem em modo ilegal. Não sei se tiveram sucesso ou não, pois assim que isso acontecia eu abandonava o site para nunca mais voltar.
Quando se anunciou que a Netflix estava brevemente a chegar a Portugal, coincidentemente começaram a desaparecer alguns sites piratas. Desconfiei na altura de que pudesse estar relacionado. Não acredito que a Netflix não saiba que também tem a concorrência do "mercado negro" e não me admirava que fizessem uma limpeza de terreno antes de aterrarem em novos mercados. Talvez uma oferta choruda de dinheiro aos gestores dos sites, talvez uma ajuda às autoridades a identificar os autores. Se alguém souber informe-me. Tenho curiosidade em saber se esteve relacionado ou não.
Com o Wareztuga afastado e mais uns quantos sites piratas suspensos, a Netflix pousa em Portugal com toda a confiança e segurança. 30 dias grátis para novas contas. Não resisti, até porque tinha ficado sem alternativas, e criei conta. Foi uma desilusão. Muito pouco conteúdo e o pouco que tinha ou era da autoria da própria Netflix, que aos meus olhos ainda não tinha credibilidade suficiente para me merecer tempo, ou eram alguns filmes que qualquer pessoa já viu pelo menos uma vez na SIC ou na TVI. A única vantagem que na altuar identifiquei foi a de, aquando da visualização de uma série, não ter de avançar de episódio manualmente. O site avançava sozinho enquanto houvesse episódios para ver. Estava eu muito longe de saber que a prática tinha uma nomenclatura: Binge Watching.
Durante algum tempo também nos era permitido "enganar" o site. Fazendo uso das maravilhas do MB Way, assim que terminavam os 30 dias de experiência, criava-se outra conta, outro cartão de data limitada a trinta dias et voilá, mais 1 mês "à pala". Provavelmente ninguém estava a enganar ninguém, e a plataforma de streaming americana estava a apenas a engordar a sua lista de contactos e dados, mas como bom português gostamos sempre da sensação que somos muito espertos. Se nos ficássemos pelos sites de filmes era bom, o problema é que aplicamos a chico-espertice como fórmula de sucesso para a vida. Enfim, outra conversa.
Depois da Netflix desbravar o mato em Portugal, as suas concorrentes quiseram também entrar neste rectângulo à beira-mar plantado. Amazon Prime, Disney, Apple TV arrancaram há relativamente pouco tempo. Até a SIC já tem uma plataforma de Streaming!
O que pareceu muito divertido e modernaço ao ínicio, acabou por se tornar um pesadelo. Imaginemos que quero ver "The Crown", tenho de criar uma conta e pagar na Netflix. Porém, se quiser ver "A Guerra dos Tronos" por exemplo, terei de criar uma outra conta na HBO e pagar. Terei de fazer o mesmo processo se quiser ver um filme ou série produzidos pela Disney. Criar conta e pagar à Disney. Para rever o programa do Ricardo Araújo Pereira, "Isto é Gozar com Quem Trabalha", toca de comprar um passe para a "Opto", a plataforma streaming da SIC.
É como se entrasse num videoclube que está organizado por produtoras, e em que tenho de pagar cada vez que quero mudar de corredor. Simplesmente não compensa e é cansativo.
Se criar conta em todos os sites de streaming disponíveis, de forma a conseguir aceder a todos os filmes e séries disponíveis, acabo com uma conta mensal parecida à da eletricidade ou de telecomunicações. Para não falar do processo de mudar de site...
Numa alltura em que, mais que nunca, o nosso tempo e os nossos dados valem dinheiro, quando se diz que é o cliente que decide o que quer ver, os sites de visualização de filmes online estão a entupir o mercado e criar uma inflamação na minha paciência, e acredito que na de muitas outras pessoas.
A ideia de pagar menos e ver mais subverteu-se. Fomos lentamente empurrados de volta para os videoclubes mas em formato digital. Mas para mim já chega. O que é demais enjoa e tanto streaming deixa-me com naúseas. Não quero pensar a quem pertence o filme Xpto e ter de pesquisar em qual das minhas contas é que o filme está disponível ou se tenho de subscrever e pagar uma nova. Quero ver, quero entreter-me, quero ususfruir dos filmes!
O excesso de streaming empurrou-me de volta para os braços da pirataria. Olá de novo, meu caro Mr. Piracy. Desculpa ter-te deixado.