"Inside The World´s Toughest Prisons"
As prisões mais duras do planeta
Inside The World´s Toughest Prisons é uma série documental, adquirida pela Netflix, que nos leva para dentro das prisões ditas mais perigosas do mundo.
A série original foi lançada no Channel 5, do Reino Unido, em 2016 e era apresentado pelo jornalista Paul Connolly. Aqui, não sei o motivo mas contou apenas com a temporada inicial de 4 episódios.
Dois anos depois, a Netflix, como já é hábito, repescou o programa e lançou-o na sua plataforma de streaming, onde já conta com mais 3 temporadas. O mote permanece o mesmo, entrar nas prisões mais complicadas do mundo, mas agora através do jornalista Raphael Rowe, também ele um ex-condenado no Reino Unido - por um crime que não cometeu - e que esteve encarcerado numa prisão de alta segurança durante 12 anos.
O registo é diferente, não transmitindo tanto a ideia de que estamos a ver um documentário clássico, e para isso foram alterados pequenos pormenores que se revelam determinantes para o efeito. Destaco a não dublagem dos testemunhos dos prisioneiros como um deles, deixo os restantes para quem queira ver a série, descobrir.
Por desatenção minha, que é bastante recorrente, comecei a série de trás para a frente. Isto é, comecei na 4ª temporada e já apresentado por Raphael. Não tem qualquer problema, pois cada episódio conta a estória de uma prisão, não tendo qualquer influência o que se passou em outro episódios. No entanto, devo dizer que chegando à 1ª temporada, há um grande choque de estilos e que prefiro bastante o da Netflix.
Feita esta longuíssima contextualização da série, partilho um pouco do que vi, mais concretamente dois episódios, ou seja, duas prisões. que me mereceram alguma reflexão. Trata-se do Estabelecimento Prisional de Tacumbu, no Paraguai e do Estabelecimento Prisional de Melrose, nas ilhas Maurícias.
Dois países completamente diferentes, duas formas de lidar com criminosos opostas, mas a mesma dureza na vida de todos os prisioneiros, na luta pela sobrevivência.
Das duas, vi primeiro o episódio referente à prisão no Paraguai. É nos apresentada como uma prisão altamente sobrelotada, em que os guardas não chegam à meia centena, para mais de mil prisioneiros. As primeiras imagens são de uma miséria extrema, só descritível como as piores ideias que consigam imaginar de uma das piores favelas que tenham conhecimento existir. Um pátio, repleto de gente com roupa rasgada ou completamente desajustada em termos de tamanho, a drogar-se sem qualquer pudor ou discrição. Todos dormem no chão, marcando o seu lugar no pátio. Autênticos sem-abrigo dentro de uma prisão.
Mas o apresentador é encaminhado para uma outra seccção e apresentado ao prisioneiro que está encarregue de a gerir (!!). O edifício em questão é uma bolha dentro da prisão, já com camas, casas de banho e algumas atividades de trabalho. O mínimo comum em qualquer prisão. Quem é que vai para esta secção? Quem se compromete em seguir as regras impostas pelo seu proprietário: a Igreja Católica. Os prisioneiros que queriam aceder aos "privilégios" deste bloco, e dormir numa cama, não podem ter vícios, não podem protagonizar qualquer ação de violência e têm obrigatoriamente de assitir à missa. Estas foram algumas das regras apresentadas, não ficamos a saber se existem mais.
Após a visita a esta parte da prisão, Raphael volta à "zona de calamidade", onde somos confrontados com algo que, pelo menos eu nunca tinha visto. Entra na prisão uma espécie de carroça, carregada com lixo doméstico, que é despejada numa parte do pátio. Este lixo, pelo relato de um dos presidiários com quem o jornalista conversa, é ali despejado para que os presos daquela zona possam remexer e procurar comida e outros objetos que considerem de valor. A felicidade com que o recluso amealhava fruta podre era surreal, no entanto revelou ao programa que era ótima para vender dentro da prisão. Acho que isto já passa uma ideia do que ali se vive.
Quando estamos a digerir toda esta informação, todo este degredo humano dentro de uma instituição prisional, eis que nos mostram uma terceira zona da prisão.
Se considerarmos que o pátio onde se drogavam, agrediam e catavam lixo era o patamar zero, da condição de sobrevivência da prisão, e se dentro dessa catalogação pudermos ver o bloco patrocinado pela Igreja, como o patamar a seguir, em que já são fornecidos alguns mínimos, então o seguinte será um três que parece quase um quatro. Mas adiante com esta coisa dos números.
O que se vê a seguir é um autêntico mercado, que nos remete para qualquer outro que já vimos na televisão ( para quem não viajou até ao local, claro), em países como a Tailândia ou algo do género. Escuro, com imensas bancas dos mais diversos produtos. O mais incrível é que, dado o desgoverno daquela prisão, isto significa que todos os objetos e mais alguns, conseguem entrar na prisão. Foi nos mostrado desde uma banca de croissants até uma de reparação de computadores e até outra de aluguer de quartos!
Basicamente aquela zona da prisão era uma mini-sociedade, onde se adquiriam todos os serviços como se se estivesse no exterior, e onde era possível fazer tanto ou mais dinheiro que no "Mundo real". Foi francamente surpreendente, pela negativa e pela positiva. Se por um lado é bom que haja uma mudança na vida daquelas pessoas, e que possam experimentar uma simulação de vida normal, por outro não é suposto e é altamente perigoso para os poucos guardas naquela instituição.
A segunda prisão que, para mim, merece destaque é a de Melrose, como já tinha escrito no início (não bem no início) do texto.
Estão a ver as ideias que temos de uma prisão de alta segurança, ou de prisioneiros de alto risco, em continentes que não a Europa e os EUA? Prisioneiros assustadores, gangues, infraestruturas intimidadoras? Assim mais perto do que foi descrito na prisão do Paraguai, mas com camas para todos.
A prisão de Melrose é o oposto. O próprio apresentador, quando chega ao estabelecimento prisional constata imediatamente algo que nunca tinha sentido: Silêncio numa prisão.
Esta constatação tem mais importância se nos relembarmos que Raphael Rowe é, para além de jornalista, ex-recluso numa prisão de alta segurança.
Após este primeiro impacto, há uma segunda evidência com a qual o nosso anfitrião se surpreende, que a limpeza do local. A prisão tem um aspecto asseadíssimo, sem um papel no chão ou uma erva daninha a teimar que também quer ser presa.
É nos então feita uma breve contextualização acerca da história da prisão. Ao que consta, era um estabelecimento bastante problemático e que gerava bastante interesse mediático por esse mesmo motivo. Ora não sendo as Ilhas Maurícias conhecidas pela sua produção seja do que for, não foge ao clichê de muitas outras ilhas e como tal vive quase exclusivamente do turismo. A seguir a uma catástrofe natural ou uma guerra, a criminalidade e a reputação de local com alta criminalidade devem ser o terceiro principal espanta-turistas de qualquer país.
O governo das Ilhas Maurícias deliberou então que deveria resolver o problema rapidamente, e para isso optou por nomear um novo comissário para gerir o Estabelecimento Prisional de Melrose e reforçar-lhe os poderes, tornando-se praticamente num comissário absoluto.
Esta decisão mudou tudo e a prisão é atualmente gerida com mão de ferro. No pátio, os reclusos não falam, ou falam muito baixo, quase a sussurrar.
Os cigarros foram proibidos de um dia para o outro, e bem se sabe como os cigarros são a "moeda" de qualquer prisão. Raphael consegue chegar à fala com pelo menos dois prisioneiros, um originário da Ilha e outro Europeu. Pergunta ao primeiro, porque é se sente uma tensão tão grande no ar, e este responde-lhe com um sorriso nervoso. O segundo, europeu, sempre com uma expressão facial de quem não se deixou quebrar apesar de agir de acordo com o que os guardas pretendem, queixa-se da questão dos cigarros e diz que o que se passa na prisão "é política".
À semelhança de qualquer poutro estabelecimento prisional, Melrose também tem espaços de trabalho para os prisioneiros. A especialidade é a fabricação de sapatos. Mas desengane-se quem acha que o trabalho é remunerado, pois não só não é, como os sapatos são feitos apenas para os guardas. Uma outra unidade de trabalho, na qual o recluso europeu trabalha, produz peças de metal para serem utilizadas no estabelecimento - quase que produz as suas próprias grades.
Há uma constante "aura", se assim pudermos chamar, de repressão dentro de Melrose. Uma paz podre. Obviamente que não estou com isto a dizer que uma prisão deveria ser um lugar de liberdade e felicidade.
A Direção do estabelecimento no entanto, parece ter alguma noção de que apesar de ter as coisas sob controlo, pode estar a provocar uma situação de efeito "panela de pressão", mas não querendo aliviar nas suas medidas para não ceder, optou por introduzir algo também bastante invulgar.
Pelo que foi dito no episódio, ainda era uma prática recente, restrita a um pequeno número de presidiários, mas que surte efeitos positivos no comportamento destes: são aulas de Tai Chi. A dado momento temos a caricata imagem de um grupo de criminosos a praticar lenta e calmamente, com um sincronismo asiático, os movimentos desta arte marcial.
O professor assegura que tem recebido o feeback positivo dos alunos.
Estes dois sistemas completamente opostos, deram-me que pensar e remeteram-me para uma comparação económica ou política, consoante prefiram.
Diria que o sistema do Paraguai, se assemelha ao sistema capitalista democrático:
Há um claro fosso entre quem vive com dignidade(a possível dentro da prisão) e quem não vive. E há quem esteja no meio. A dificuldade para mudar de estágio é muito alta, especialmente neste ambiente, mas possível.
Há gente muito infeliz e perdida, mas quem esteja tão bem que nem quer sair. E sobretudo, sem intervenção dos guardas, houve capacidade de organização e para se estabelecerem regras e comércio. Há primeiro vista, é feio? Parece muito mais inseguro? Parece. Mas também me parece mais realista.
O sistema das Ilhas Maurícias, para mim apresenta muitas semelhanças a um sistema ditatorial:
Um local impecavelmente bem tratado, sem incidentes, com prisioneiros disciplinados e bem comportados. Trabalham, cooperam e cumprem as suas sentenças em harmonia. Todo um clima de consenso que soa a utopia, tal e qual uma ditadura. Num regime autoritário tudo aparenta correr às mil maravilhas, até descobrirmos como no caso de Melrose, que as refeições são sempre pão e água ou que um prisioneiro que seja apanhado com 1 cigarro tem direito a 16 dias na solitária (com as condições previamente mencionadas).
Não é normal tanto consenso, tanta harmonia. Não é normal que ninguém conteste nada, não questione nada ou que nunca tenha um acesso de fúria.
Parece muito mais organizado? Sim. Parece bem mais seguro? Também. Mas completamente irrealista e sufocante.
Colocando-me no lugar de um prisioneiro, e tendo apenas como opção estas duas prisões, tenho que admitir que pela minha segurança talvez preferisse ir para as Ilhas Maurícias, mas pela minha sanidade mental teria de optar pelo Paraguai.